09 novembro 2006

Monólogos (ou eu a falar sozinho e a imaginar que o meu filho me está a ouvir)

Sabes, chega uma altura em que se abranda, começa-se a viver a vida com outra "velocidade", deixamos de sentir necessidade de estar presente em todas as ocasiões e deixamos de nos sentir incomodados se alguém se esquece de nós. Escutamos opiniões absurdas sobre a vida e trocamos a exaltação pela simpatia.
Há que saber sorrir perante aquilo que nos incomoda. De alguma forma trabalhar, há que trabalhar. Nunca nada nos cai no colo, ninguém vai receber uma chamada telefónica a alertar para o talento que aí está.
Algures, uns escritos abaixo pensei no sucesso. Não penso que tenha ido suficientemente longe a descrever o que é o sucesso para mim. Pablo Picasso disse que "quando a inspiração chegar vai-me encontrar a trabalhar" O sucesso é ser pintor? e pintar um único quadro muito valioso ou estudado? Não me parece, isso não é sucesso, não dá realização nem felicidade. Dá alegria, mas efémera.
Usando o exemplo do Picasso imagina que consegues que a maior parte dos teus dias não te tragam dissabores nem monotonia e que assim consigas estar activo, no sentido de estar com pessoas e conseguir fazer "funcionar" o teu interior, sem te esconderes e sem te sentires agredido dás algo de novo a ti próprio. Agora imagina que durante esses dias consegues sentir prazer no que estás a fazer e consegues uma ou duas descobertas na rotina. É importante a descoberta porque a tua vida vai-se tornar rotina, como o trabalho do Picasso.
A realização para ti ou para qualquer um, o que é? Será o que mais nos pode aproximar uns dos outros? Será o que nos faz querer conversar?
Sabes, chega uma altura em que se abranda, começa-se a viver a vida com outra "velocidade" e a olhar o sucesso, não como uma forma de afirmação pessoal, mas como uma forma de realização interior. Tu sentes por dentro que te estás a realizar, sentes para ti, não precisas que to digam, sabes quando o teu "trabalho" está a ser...


Um sorriso.

17 comentários:

Abssinto disse...

O que na essÊncia se pode traduzir na satisfação de fazermos aquilo que gostamos, porque gostamos...Uma questão de afirmação (e realização).

Como se chama aquele poema que o Vítor de Sousa declamou e celebrizou...Acho que se chama Não tenho tempo. ("Sabes, meu filho, não tenho tempo, não tenho tempo para te ver brincar, crescer, não tenho tempo..." etc etc) Não pareces ser um desses pais.

Um sorriso.

Maria Ostra disse...

Belo texto. Porque terá desaparecido o prazer da lentidão?

sobre-nada disse...

Varanda, é bem sucedido? Espero que sim, pelo menos parece que faz algo que o preenche. Eu ainda espero com as mangas semi-arregaçadas.

Jane & Cia disse...

Que força se sente nessas palavras.

Para mim, penso e digo-o muitas vezes o sucesso está em como vivemos o dia a dia e que marcas deixamos naqueles que connosco se cruzam. Mais do que o estrelato ou a promoção o saber que aquele colega, aquele parceiro, os nossos filhos, os nossos amores irão se lembrar, com carinho, de nós daqui a 10, 20 ou 100 anos, isso seria o verdadeiro Sucesso na minha vida.

Anónimo disse...

Li. Li-te. E cada palavra soou à verdade de que muitos fogem. Trespassou a "velocidade" e arrastou um turbilhão de certezas.



Um abraço!
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Varanda disse...

Abssinto. O teu comentário levou-me a procurar um espantoso poema que não conhecia. Sublinho a essência.

Sabe meu filho,
Até hoje não tive tempo para brincar com você.
Arranjei tempo para tudo,
Menos para ver você crescer.
Nunca joguei dominó, dama, xadrez ou batalha naval com você.
Percebo que você me rodeia,
Mas sabe, sou muito importante e não tenho tempo...
Sou importante para números, convites-sociais,
Uma série de compromissos inadiáveis...
E largar tudo isso para sentar no chão com você...
Não, não tenho tempo !
Um dia você veio com o caderno da escola para o meu lado,
Não liguei, continuei lendo jornal.
Afinal, os problemas internacionais
São mais sérios que os da minha casa.
Nunca vi seu boletim nem sei quem é sua professora,
Não sei nem qual foi sua primeira palavra,
Também, você entende... não tenho tempo...
De que adianta saber as mínimas coisas de você
Se eu tenho outras grandes coisas a saber?
Puxa, como você cresceu!
Você já passou da minha cintura. Está alto!
Eu não havia reparado isso.
Aliás, não reparo quase nada, minha vida é corrida,
E quando tenho tempo, prefiro usá-lo lá fora.
E se uso aqui, perco-me calado diante da TV,
Porque a TV é importante e me informa muito...
Sabe, meu filho...
A última vez que tive tempo para você, foi numa cama,
Quando o fizemos!
Sei que você se queixa,
Que você sente falta de uma palavra,
De uma pergunta minha,
De um corre-corre,
De um chute na sua bola.
Mas eu não tenho tempo...
Sei que você sente falta do abraço e do riso,
Do andar-a-pé até a padaria para comprar guaraná,
Do andar-a-pé até o jornaleiro para comprar "Pato Donald",
Mas sabe, há quanto tempo não ando a pé na rua?
Não tenho tempo...
Mas você entende, sou um homem importante,
Tenho que dar atenção a muita gente,
Dependo delas... Filho, você não entende de comércio...!
Na realidade, sou um homem sem tempo!
Sei que você fica chateado,
Porque as poucas vezes que falamos é monólogo, só eu falo.
E noventa e nove por cento é bronca:
Quero silêncio, quero sossego!
E você tem a péssima mania de vir correndo sobre a gente,
Você tem mania de querer pular nos braços dos outros...
Filho, não tenho tempo para abraçá-lo,
Não tenho tempo para ficar com papo-furado com criança.
Filho,
O que você entende de computador, comunicação, cibernética,
Racionalismo?
Você sabe quem é Marcuse, Mac Luan?
Como é que vou parar para conversar com você?
Sabe filho,
Não tenho tempo, mas o pior de tudo,
O pior de tudo é que...
Se você morresse agora, já, neste instante,
Eu ficaria com um peso na consciência
Porque até hoje
Não arrumei tempo para brincar com você,
E na outra vida, por certo,
Deus não terá tempo de me deixar, pelo menos, vê-lo!

"Neimar de Barros"

por muito que se tente não ser um pai "sem tempo" fica sempre a preocupação de faltar qualquer coisa mas mais importante, há que relaxar, o stress mata...

Varanda disse...

A. saudades dos "vendavais", ali pode-se contemplar...



...tenho uma vaga ideia de uma "tímida altivez"...

Varanda disse...

Maria Ostra, obrigado pelo elogio.
Quanto á lentidão, penso que o poema citado pelo abssinto responde em parte á sua questão. A minha (salvo seja) M. costuma falar em "atribuições externas" versus "atribuições internas" ela é professora, sabe bastante mais do que eu (que não sou).

Varanda disse...

Sobre-nada, eu também espero que sim...

Faço puzzles "for a living" ;)

Varanda disse...

Jane, obrigado.
Sou demasiado egoísta para definir o meu sucesso dessa forma. Isso será uma realização de empatia minha. Também ambiciono ser recordado da mesma forma que me lembro de certas pessoas na minha vida, "dessa" forma. Mas mais uma vez isso não é o sucesso para mim, talvez porque não é isso que trago "aqui dentro" e que tem que "sair"


Sorrisos para os nossos Joãos

Varanda disse...

Bandida, Obrigado por me leres e por me "leres". É muito importante para mim.


Um abraço.

Varanda disse...

God is happy, mom'sa...

Prometo que um dia explico. (uma viagem no meu carro...)

A. Deixa que te diga, tu não escreves, danças. As tuas palavras dançam... Eu ainda estou a aprender, mas o que disseste sobre a tua mãe... há coisas que nem que esteja toda a vida a estudar... não se aprendem, estão dentro.



E não me esqueço.

...a comissão virá...

Bandida disse...

falaste de "decisão" no blog "a estranha".

tens razão.


tens razão.



tens razão.



onde estás?...





abraço grande!
____________________________

intruso disse...

"Será o que mais nos pode aproximar uns dos outros?"

talvez seja mesmo isso, sinto que sim...

belo texto;

a realização para ti ou para qualquer um...

................................

ansiedade;
talvez eu esteja ainda (estou de certeza) numa fase anterior... em que nem percebo como posso lá chegar/construí-la...
ando a tentar,,, nem sei como/porquê

mas percebo muito bem (acho) o texto, a realização interior, a realização para mim...


abraço


p.s.
obrigado pelo comentário lá no intruso.

Varanda disse...

Bandida,


...irmão...


Obrigado.
Um abraço.

Varanda disse...

Intruso. Isso mesmo, a ansiedade, o stress... retiram-nos a prespectiva.
O meu comentário é merecido, fantástico post.

abraço

Varanda disse...

A.

é boa tarde... ;)))

Intimidade (embora um pouco explicito)

You've got your ball  You've got your chain  Tied to me tight tie me up again  Who's got their claws  In you my friend  In...